Como a sociedade narcísica pode legitimar o comportamento perverso.

O espectro perverso na sociedade narcísica

Alex Wagner Leal Magalhães
Psicólogo clínico
Professor e Supervisor em Estágio profissional em psicanálise do curso de Psicologia da Faculdade Estácio SEAMA (Macapá, Amapá, Brasil)
Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade Federal do Pará / UFPA (Pará, Brasil)
Psicanalista em formação pelo Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (2012)
E-mail: alexwmagalhaes@yahoo.com.br

Adriele Cardoso Sussuarana
Psicóloga clínica
Psicóloga Clínica do Hospital da Criança e do Adolescente (Macapá, Amapá, Brasil)
Psicanalista em formação pelo Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (2012)
E-mail: adrielesussuarana@hotmail.com


Resumo

Com esse trabalho, busca-se identificar como a sociedade narcísica pode legitimar o comportamento perverso. Para isso, analisa-se as formas de perversão na sociedade narcísica, a sociedade narcísica para a psicanálise, e associa-se perversão e sociedade narcísica. A partir da concepção teórica lacaniana, considera-se a perversão como recusa (Verneinung) da castração e recusa da Lei. Nesse sentido, observou-se que a perversão, como uma forma de organização psíquica marcada pela transgressão, pode ser aceita e legitimada pela sociedade narcísica devido às vicissitudes da subjetividade na atualidade. Evidencia-se cada vez mais nessa sociedade a toxicomania, o declínio da alteridade, a violência sem objeto e as formas autoritárias e violentas de poder como possíveis atualizações da perversão, ou seja, da recusa do desamparo e da frustração que são inerentes ao sujeito. Para além dos fenômenos citados, o espectro perverso penetra o corpo da sociedade narcísica atingindo o devir cotidiano dos que estão sujeitos a ela.

Palavras-chave: psicanálise, perversão, transgressão, sociedade narcísica.

“Deus fez o homem à sua imagem […] Vamos então ao mais simples – se são belas imagens – e Deus sabe que as imagens religiosas sempre respondem, por definição, aos cânones reinantes da beleza – não se vê que são sempre ocas. Mas então o homem também, enquanto imagem. É interessante devido ao oco deixado vazio pela imagem – por isso é que se vê na imagem, para além da captura da imagem, o vazio de Deus a ser descoberto. Essa é, talvez, a plenitude do homem, mas é também aí que Deus o deixa no vazio” (trecho de “O gozo da transgressão”, em Lacan, 1960, p. 240).

 

 

Introdução

Sob a concepção lacaniana, pressupõe-se nesse manuscrito a possível legitimação do comportamento perverso através da ascensão da sociedade narcísica. Na sociedade narcísica é cada vez mais evidente a toxicomania, a violência sem objeto, as formas autoritárias e violentas de poder, a falta de espaço para a alteridade e, principalmente, o desamparo demarcado em larga escala na subjetividade do sujeito. Dessa forma, o espectro perverso penetra o corpo dessa sociedade.

Para o delineamento desse trabalho, cogitou-se a hipótese de que a sociedade narcísica pode legitimar o comportamento perverso. No entanto, tentou-se problematizar: De que forma este fenômeno pode ocorrer? Correlacionando perversão e sociedade narcísica, pretendeu-se fazer uma análise de ambas, da perversão como estrutura e forma de organização psíquica que é aceita e legitimada pela sociedade narcísica. Por que não arriscar em defini-la como o corpo de uma nova subjetividade específica da atualidade?

 

Perversão

Julien (2003) e Ceccarelli (2001) indicam que, considerando a história da palavra perversão, seu significado está atrelado à palavra perversidade, uma concepção moralista e religiosa que antecede qualquer pressuposto. Pervertere vem do latim “desviar”, que significa desviar o bem em mal, ou seja, mesmo que o ser humano seja e deseje o bem, ele faz o mal. Inverter o bom em seu contrário é o que irá determinar os efeitos da perversão. Percebe-se aqui a concepção moralista e religiosa que acompanha o termo perversão enquanto figuração caricata do mal.

A partir das observações sobre a sexualidade perverso-polimorfa, Freud (1905), nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, expõe o fenômeno da perversão como desvio e fixação da pulsão. Já em 1927, no texto “O fetichismo”, onde há importante contribuição de Freud no entendimento das perversões, o autor expõe que o objeto fetiche é um substituto para o pênis da mãe, um pênis simbólico, não anatômico, um pênis específico que foi extremamente importante na primeira infância e posteriormente perdido. Isto é, normalmente, esse pênis deveria ser abandonado, no entanto, o fetiche se destina a preservá-lo da extinção. Para expressar de modo mais simples, Freud (1927, p. 155) indica que “O fetiche é um substituto do pênis da mulher (da mãe) em que o menininho outrora acreditou e que – por razões que nos são familiares – não deseja abandonar”. Freud (1927) conclui que o fetiche é a concretização do triunfo à ameaça de castração e também uma proteção contra ela. Além disso, impede o fetichista de se tornar homossexual, dotando as mulheres da característica que as torna toleráveis como objetos sexuais.

Julien (2003, p. 107) comenta que no ensaio “O fetichismo” de Freud: “a perversão é nomeada com seu verdadeiro nome: nem um recalque, nem uma foraclusão, mas uma renegação (Verleugnung) da castração”. Além disso, preconiza que o reconhecimento de que a mãe não tem o falo exclui a possibilidade de uma organização psicótica. A negação desse reconhecimento, que delega ao fetiche a atribuição de um falo deslocado, singulariza o fenômeno da perversão, se fixa na renegação da diferença sexual e regride a uma das primeiras teorias sexuais infantis que afirma que todas as mulheres têm falo.

O perverso não é um psicótico, ele sabe que o seu objeto de desejo é como outro qualquer; a diferença é que ele reconhece a atribuição e o respeito que transfere ao objeto, dotando-o de características que não são essencialmente dele.

Nenhum sujeito é poupado do horror causado pela castração, o perverso, ao passo que recusa a realidade da diferença dos sexos, também se protege dela, essa é a forma como ele seguramente coloca-se ao mundo, se sujeita a negação para preservar o pênis materno e a onipotência que advém dele. Pode-se perceber que a perversão não se restringe, portanto, às práticas sexuais que fogem do habitual, mas à maneira particular como o sujeito organiza-se psiquicamente. Pressupõe-se, a partir disso, a perversão enquanto estrutura psíquica, o que singulariza uma das leituras teóricas que podem ser feitas sobre o fenômeno, a leitura de Lacan.

Segundo a definição de Lacan (1962), a perversão pode ser percebida como uma Père-version [pai-versão]. Demarcada simultaneamente por um desafio ao pai e por um apelo ao pai que protege o sujeito contra o gozo mortífero e sem limites da mãe, o gozo do Outro. Assim, o perverso está a serviço da Lei do Outro, mas o “pai” vem socorrê-lo, para reconstituir a barreira do desejo. Observamos aqui a negação da Lei, a pai-versão dinamiza um desafio que é permeado pelo paradoxo do desafio e apelo ao mesmo pai, à mesma Lei.

A partir do fetiche, Lacan (1956-57) apresenta a dinâmica da estrutura perversa com a metáfora do véu. Um pano que cobre, esconde ou protege alguma coisa, mas que é transparente, geralmente de renda, utilizado no rosto, na cabeça ou ainda como adorno. O véu seria então um utensílio que singulariza a recusa do perverso, pois denota a existência de um fato no qual ele sabe que existe, mas tenta esconder de si: a castração. O véu possui uma dupla função, ao mesmo tempo em que esconde, designa. Na tentativa de esconder o objeto, ele afirma a sua existência. O perverso procura esconder a falta fálica da mãe. No entanto, com a ajuda do véu, ele explicita aquilo que falta, Nada. O que está para além do objeto, que o véu tenta esconder, é Nada: A mãe não tem o falo. Porém, o véu é o que protege a imagem do falo simbólico: A mãe tem o falo.

Lacan (1956-57) indica que a melhor forma de ilustrar a situação fundamental do amor é através do véu, essa cortina, com sua presença, permite realizar como imagem o que está mais além como falta. No véu, pinta-se a ausência e a cortina assume um valor único, encarnando o sentimento do nada que está para além do objeto de amor. O mais-além é nada, ou símbolo, ou ainda, o falo que falta à mãe. Mas, na colocação do véu, pinta-se um aviso que indica: o objeto está para além. O véu é e não é. Assume o lugar da falta, mas não se torna o ponto onde o desejo se agarra. A estrutura firma-se na relação entre o mais-além e o véu.

O que sustenta o paradoxo da recusa da diferença dos sexos é o véu ou a cortina, como indica Lacan (1956-57). O véu, ao passo que esconde o objeto, protege-o de perceber a cruel realidade: a mãe não tem o falo (o objeto é Nada). Emerge com isso a possibilidade de, a partir do véu, proteger a crença de que a mãe tem o falo, escondendo o objeto (que ainda assim é Nada). Ou seja, o perverso só nega aquilo que no fundo, sabe que existe. Quando o perverso recusa a falta do falo na mãe, criando diversas formas para sustentar esse axioma (Véu, Objeto, Nada), ele tenta suprir a falta do Outro. Na realidade, o perverso não pensa apenas no próprio gozo, mas em maneiras de lidar com a angústia, o horror da incompletude do Outro, tornando-o caricatamente completo através do objeto fetiche.

(Fonte: Lacan, 1956-57, p. 158)

Sobre a forma como o perverso não se submete à lei paterna, desafiando-a, e a insistência dele na transgressão, Lacan (1960), a propósito do gozo da transgressão, questiona o que há por trás do gozo da transgressão, quando ele consiste em tripudiar as leis sagradas que são profundamente registradas na consciência do sujeito. O autor pressupõe aqui a colocação à prova de um destino sem rosto, um risco que o sujeito corre e que, quando superado, goza em potência. A Lei, quando desafiada, é também o único meio para transgredir o risco. Perguntar-se-ia: qual a meta desse risco se o gozo está exatamente na incompletude do meio? A direção não se finaliza, a potência está na impotência.Ironizar as leis sagradas desencadeia satisfação ao sujeito perverso, ele tem a necessidade de colocar-se à prova em um destino sem rosto. O risco é sinônimo de conquista e gozo, é no risco que o perverso garante a sua potência. A Lei quando desafiada supõe um risco, um gozo. No entanto, para correr o risco e gozar, ele necessita desafiar a Lei, o que remete à recusa da castração.

Sobre esta Lei, Lacan (1960) argumenta que o desafio realiza-se através da transgressão, é nesse paradoxo do ato que o perverso garante a existência da Lei, que ela está lá e ele pode encontrá-la. Esse é o meio mais eficaz que ele descobre para realizar tal garantia, através da transgressão das interdições e das regras que a ela remetem simbolicamente. Dessa forma, o perverso encontra também o limite. É aí que nasce a contestação. Quanto mais o perverso desafia a Lei, mais ele tenta se assegurar se ela teve origem na diferença dos sexos e na referência à interdição do incesto.

Ao indicar a denegação do perverso em relação à Lei, Dor (1997) comenta que ele recusa qualquer possibilidade de simbolização da falta. Por conseguinte, encontramos em ação um processo estereotipado do funcionamento perverso pelo qual uma vertente concernindo ao desejo da mãe é concomitantemente encontrada e negada.

Assim, o perverso não consegue se implicar como parte da economia de seu desejo, não consegue assumir que perdeu, pois só a aceitação da perda permitiria que recebesse em troca o desejo. Ele se encerra na representação de uma falta não simbolizável, ou seja, “É justamente uma tal falta não simbolizável que vai aliená-lo em uma dimensão de inesgotável contestação psíquica, operada através da mobilização da denegação, ou ainda da renegação concernindo à castração da mãe” (Dor, 1997, p. 40).

Aulagnier-Spairani (2003) e Lacan (1960) preconizam que a causa da escolha perversa, contrariamente ao que o perverso acredita, visa uma liberdade que não é mais que uma ilusão, sendo essa escolha o que o prende inexoravelmente ao único acesso que ele pode ter no registro do desejo. Da mesma forma, o seu ultraje é a única forma que ele tem de reintegrar a ordem da Lei, de não ser forcluído. Ou, como define Lippi (2009, p. 179): “[…] Uma ação contínua que se afirma no vaivém entre o limite e o ilimitado: a transgressão é um excesso que tem também a função de bloqueio em seu movimento”.

A partir do que foi exposto, pode-se apreender que o mecanismo da perversão fixa-se na negação da lei através da sua transgressão. Esforçando-se para driblá-la, aboli-la, o perverso apenas garante que sim, a Lei existe. Transgredindo-a, ele tenta obter a certeza se, de fato, ela teve origem na diferença dos sexos. Ele só desafia aquilo que sabe que existe, portanto, esse mecanismo o salvaguarda de ser forcluído como o psicótico. Reconhecer o pai simbólico significa reconhecer algo da falta no Outro, falta essa que o perverso não admite. Por isso ele não submete seu desejo, pois realizar tal submissão é o mesmo que aceitar a falta. Recusando qualquer possibilidade de simbolização da falta, o perverso recusa o presente que ganharia caso aceitasse que é um perdedor: o desejo. O que resta a ele? A alienação em uma inesgotável contestação psíquica. Portanto, o perverso não é livre para fazer o que quer em suas libertinagens, ele está preso; o desafio e a transgressão são o único acesso que ele pode ter ao gozo.

Em um contexto atual, Costa e Moreira (2010) indicam que, na pós-modernidade, o sujeito vê-se preso à ampla e livre possibilidade de buscar no mundo externo – inclusive no outro, já que não mais vigora a Lei que impedia tal investimento – sua plena satisfação libidinal. Nessa busca totalitária consiste o gozo, cuja marca é o repetido fracasso, considerando a natureza originalmente fendida do sujeito como ser simbólico. Monti (2008) propõe a cultura da pós-modernidade como sinônima da cultura do narcisismo em que prevalece o individualismo. Para além da existência do desamparo, o sujeito percebe o outro como um objeto de plena satisfação libidinal. A busca pelo outro é a busca pelo enaltecimento do eu, pelo gozo descartável e fendido característico da sociedade narcísica. Percebe-se, assim, o declínio da alteridade e do que caracteriza o laço social com a ascensão desta sociedade. Birman (2007) enfatiza:

“As formas autoritárias e violentas de poder, como as que existem na sociedade brasileira – onde se pode saquear o Estado e considerar privados os bens público e coletivo -, conduzem as subjetividades para o polo narcísico de seu psiquismo, colocando entre parênteses as relações alteritárias. O polo alteritário do psiquismo se dirige para uma região de sombras, esmaecendo-se em suas linhas e cores, entrando em uma espécie de eclipse. Nesse contexto, a predação do corpo do outro e a depredação de sua subjetividade se transformam em formas materializadas de ser e agir das individualidades. Consequentemente, a perversão se institui como a maneira por excelência de usufruto dos bens e dos valores que circulam no espaço social” (Birman, 2007, p. 283-284).

O sujeito que se encontra sob o polo narcísico de seu psiquismo utiliza o outro como um objeto para o seu gozo próprio, ou seja, um mero fetiche. Rosa, Carignato e Berta (2006) indicam ainda que, na violência, o desejo de destruição do outro não é motivado apenas pelo objeto odiado, mas aponta algo que transcende o objeto para o qual se dirige a violência. Quer-se abolir aquilo de insuportável que advém do real, aquilo que é impossível de ser abarcado, representado, dominado, aquilo que aponta a castração. Dessa forma, percebe-se aqui a recusa da castração, a violência é uma das formas como atualmente se expressa o comportamento perverso.

Žižek (2008) postula que a violência que abrange as vicissitudes da vida contemporânea pressupõe uma crueldade excessiva e não funcional que vai desde uma matança fundamentalista às explosões “sem sentido” de adolescentes e sem-teto das grandes cidades. O autor denomina tal expressão como Isso-Mal. Violência sem causa, pois todas as explicações para ela podem ser consideradas superficiais. Trata-se de um Isso-Mal que estrutura-se pelo desequilíbrio mais elementar da relação entre ego e o gozo. Um curto-circuito da relação do sujeito com o objeto-causa primordialmente faltante de seu desejo. Sabe-se que, ao longo da história, a violência esteve presente de variadas formas. No entanto, postula-se aqui a recusa da frustração em uma configuração particular que expõe o retrato de um comportamento perverso na atualidade. Uma violência que só pode ser explicada a partir da ótica que permeia a sociedade da qual ela emerge, o excesso.

Outro fenômeno que permeia o âmbito da perversão é a toxicomania. O sujeito toxicômano diferencia-se de outros tipos de usuários de drogas. O que especifica o uso de drogas na toxicomania, segundo Santos e Costa-Rosa (2007), é que, diante do objeto com o qual está estabelecido o vínculo de prazer, o sujeito toxicômano mostra-se impotente quanto à possibilidade de administração do seu uso, reagindo com uma ação compulsiva. O indivíduo não consegue ponderar e dar significado ao impulso desencadeado. Assim, a falta de prazer pode reaparecer logo após o alívio da tensão proporcionado pelo uso da droga. Inicia-se um ciclo sem fim de saciar o desejo e consolar a busca por esse desejo. Birman (2007) preconiza:

“Existe uma fetichização do gozo pela incidência da droga no corpo do sujeito. A droga se transforma em instrumento para a promoção do gozo absoluto, propiciando um curto-circuito que evita o confronto do sujeito com a experiência da castração. Portanto, o sujeito agencia o mecanismo psíquico da recusa (Verleugnung), pois, apesar de saber dos efeitos mortíferos da droga, vale-se deste fetiche para se manter incólume à incidência da castração” (Birman, 2007, p. 224).

Žižek (2008) postula que o consumo de drogas como alcance da experiência de gozo ocorre porque as drogas prometem um gozo puro, ela é acessível sem passar pelo Outro da ordem simbólica. Nesse sentido, as drogas prometem a suspensão da castração simbólica. A jouissance possibilita acesso ao real bruto, não mais restringido pelas regras da realidade. É comum escutar relatos do tipo: “Depois de tomar uma droga, imagino cenas que nunca pensei ter acesso, conheço novas dimensões de cores e cheiros…”. Essa jouissance ou esse gozo, como previsto por Birman anteriormente, destaca uma recusa da castração.

Para além dos comportamentos perversos citados acima, a perversão está presente no nosso dia-a-dia. Já Dunker (2010) questiona: Será que a perversão está tão aquém do devir cotidiano? Ou será que ela presentifica-se de maneira silenciosa no dia-a-dia de uma realidade perversa, no dia-a-dia do laço social que envolve a sociedade narcísica? Onde? Através da burocracia que nos enlaça? A perversão não se encontraria na judicialização limitada e ditadora da vida cotidiana? Se há perversão na bulimia ou na anorexia, não há perversão no discurso científico do que se pode ou não comer? Na vigilância da nossa alimentação? E quanto ao exibicionismo da infância? O voyeurismo dos reality show? O sadismo dos programas de violência ao vivo? O masoquismo dos viciados em trabalho? O descompromisso das relações amorosas? A cultura da drogadição tanto legal como ilegal?

A partir das considerações expostas sobre a atualização da perversão, percebe-se que fenômenos como a toxicomania, as formas autoritárias e violentas de poder, a violência sem objeto e o esvaziamento do pólo alteritário do sujeito são frequentes na sociedade. A perversão presentifica-se no interior da sociedade narcísica onde impera a obrigação de uma felicidade plena e a qualquer custo. Afirma-se a perversão como espectro, como um fantasma ausente e presente no corpo da sociedade narcísica. Ausente porque nem todos querem enxergá-lo. Presente porque define novas formas de subjetivação. Todos esses fenômenos possuem como denominador comum a recusa do horror causado pela castração. Tal recusa é realçada por uma sociedade narcísica que se constrói a partir da ditadura do gozo. É importante enfatizar que coloca-se o fenômeno da perversão aqui a partir do referencial teórico lacaniano.

Sociedade narcísica

Rios (2008) define a sociedade narcísica como aquela que através de seus exercícios não sustenta a alteridade e afunda constantemente o sujeito em todos os aspectos inerentes da supervalorização do individualismo. Pressupõe-se, assim, que a sociedade do espetáculo, cada vez mais calcada no narcisismo, acaba por ceder espaço à perversão.

Nessa forma de organização social, o desamparo está presente, mas escondido sutilmente nos bastidores da sociedade do espetáculo. Para Freud (1930), o ser humano tornou-se uma espécie de deus protético que pode ter e criar o que quer, com a tecnologia surgem infinitas probabilidades de concretização da criatividade humana, as épocas futuras vão assemelhar ainda mais o homem com deus, mas parece que o homem ainda não se sente feliz com essa semelhança. Como Morin (2002 apud Monti, 2008) comenta, o ser humano ao se tornar tudo, tem, ao mesmo tempo, consciência de não ser nada.

Freud falava do homem de 1930, mas o homem da atualidade não está muito distante dessa realidade, os inimagináveis progressos continuam surgindo a todo o momento, mas a felicidade plena não passa de uma ilusão, o desamparo presentifica-se a todo o momento.

Enfatizada a condição de desamparo como inerente ao indivíduo na civilização, Birman (2007) preconiza que não há pretensão em curar o desamparo, mas dominá-lo a fim de possibilitar ao sujeito a construção de destinos tanto eróticos quanto sublimatórios para a pulsão. Nesse sentido, evidencia-se a importância em verificar como a sociedade narcísica vive o desamparo. Os pacientes que enchem os consultórios atualmente não sofrem de crises histéricas nas pernas ou de compulsões excessivas por limpeza, Lasch (1979) afirma que eles sofrem de sentimentos penetrantes de vazio.

Lasch (1979) articula ainda que a produção de narcisistas na cultura atual evidencia a desvalorização do outro, acompanhada pela experiência subjetiva de vazio, falta para o narcisista um compromisso intelectual real com o mundo. Ele possui pouca capacidade de sublimação, pois depende de constantes injeções de aprovação e admiração dos outros. Liga-se a alguém para obter uma sobrevivência parasita. O medo da dependência emocional e a facilidade em manipular as relações pessoais tornam as relações que ele tem com o mundo superficiais e extremamente insatisfatórias.

A desvalorização do Outro, o declínio da alteridade que escolta o sujeito da atualidade esconde o profundo desamparo no qual se encontra e a sua pouca capacidade de sublimação. Em uma lógica do consumo e do excesso, ao possuir e consumir cada novo objeto, o indivíduo acredita realizar o seu desejo, mas o mesmo se ausenta.

Žižek (2008) indica que o capitalismo tardio caracteriza-se por uma permissividade sem precedentes. A falta de limites e proibições às crianças é um dos temas mais comuns abordados pelas críticas culturais conservadoras. A falta de frustrações leva as crianças de excesso em excesso, afinal, a estabilidade e a própria satisfação só pode ser garantida por uma autoridade simbólica através de um limite firmemente imposto. Žižek (2008) finaliza:

“[…] Longe de nos frustrar porque simplesmente não impõe limites, a ausência de limitações explícitas nos faz confrontar o Limite como tal, o obstáculo inerente à satisfação; a verdadeira função da limitação explícita, portanto, é manter a ilusão de que, ao transgredi-la, conseguiremos atingir o ilimitado” (Žizek, 2008, p. 391).

A ausência de limitações sociais joga o indivíduo para uma ilusão de que pode gozar a qualquer momento, mas tal ilusão empurra-o para o horror obscuro da limitação pura, tal como é a limitação inerente ao sujeito, à sociedade, ao indivíduo castrado que nunca poderá gozar plenamente. Ao contrário, uma limitação explícita tem como objetivo manter o indivíduo numa ilusão de que quando ele transgride o obstáculo, pode atingir o ilimitado.

O fenômeno do declínio da alteridade, que é comum na atualidade, não se finaliza na lógica da supervalorização do eu, mas na dificuldade que os que compõem a cultura do narcisismo têm em experienciar a impotência e o fracasso. Tal dificuldade aumenta significativamente os mecanismos de preservação do ego. O olhar fixo e congelado para si é a forma como essa dificuldade se expressa.

Para Costa (1988), a arrogância onipotente e a desobediência à lei é Lei, o Ego edemacia-se. Seja no marginal que não hesita em tirar a vida de quem lhe nega um simples adereço, até o cidadão que não respeita as regras do trânsito porque pouco lhe importa atropelar alguém ou colidir com o carro de quem quer obedecer a uma lei que beneficia a todos. Observa-se na delinquência audaz o absoluto desprezo pelo outro. Nada que ponha limites à onipotência da imagem do delinquente é respeitado. Rico ou pobre, o delinquente arrogante irrealiza o mundo, considerando-se acima da lei e desafiando de maneira burlesca todos que não queiram converter-se em um complemento de sua onipotência. Como o “deus protético” ao qual Freud se referia em 1930, que procura inutilmente driblar a Ananké multiplicando os artefatos a sua volta, esse sujeito procura evitar a condição humana, a dependência do Outrono jogo do convívio humano.

Lasch (1979) indica que, estruturalmente, o eu do sujeito narcisista se retrai e elementos arcaicos dominam cada vez mais a personalidade. É a regressão do eu imperial e devorador para o eu onipotente narcisista infantil. Uma regressão como essa produz um buraco sombrio na dinâmica psíquica do sujeito. A sociedade se recusa a estabelecer regras e um código de conduta moral; ela encoraja assim a regressão para o narcisismo primário, mas essa sombria regressão pouco tem em comum com esse narcisismo.

Sobre a mercadoria e o espetáculo, Debord (1967) indica que a sociedade transforma-se em sociedade do espetáculo no momento em que a mercadoria ocupa totalmente a vida social. A questão não é que a relação com a mercadoria torna-se visível, mas que não se consegue ver nada além dela. Essa é a ditadura espalhada intensa e extensivamente pela produção econômica. A tão discutida degradação do ser para o ter caracteriza a primeira fase da dominação da economia sobre a vida social. No entanto, atualmente essa vida social está totalmente tomada pelos resultados acumulados da economia, o que leva a um deslizamento generalizado do ter para o parecer. O palco, o espetáculo valorizado e desejado pelo sujeito explica-se nesse sentido, portanto. Sobre a manipulação de corpos livres e desejosos de sucessivos palcos, Tocqueville (1864, apud Adorno, 1947, p. 25-26) analisa:

“Sob o monopólio privado da cultura sucede de fato que ‘a tirania deixa livre o corpo e investe diretamente sobre a alma’. Aí, o patrão não diz mais: ou pensas como eu ou morres. Mas diz: és livre para não pensares como eu, a tua vida, os teus bens, tudo te será deixado, mas a partir deste instante, és um intruso para nós. Quem não se adapta é massacrado pela impotência econômica que se prolonga na impotência espiritual do isolado. Excluído da história, é fácil convencê-lo de sua insuficiência. Enquanto agora, na produção material, o mecanismo da demanda e da oferta está em vias de dissolução, na superestrutura ele opera como controle em proveito dos patrões. Os consumidores são os operários e os empregados, fazendeiros e pequenos burgueses. A totalidade das instituições existentes os aprisiona de corpo e alma a ponto de sem resistência sucumbirem diante de tudo o que lhes é oferecido. E assim como a moral dos senhores era levada mais a sério pelos dominados do que pelos próprios senhores, assim também as massas enganadas de hoje são mais submissas ao mito do sucesso do que os próprios afortunados” (Tocqueville, 1864, apud Adorno, 1947, p. 25-26).

Percebe-se nessa indicação um sistema em que a exclusão sem fim leva a fixação em um constante diálogo com o desamparo, a ilusão de felicidade e plenitude é contestada e frustrada constantemente. Cada tentativa de encontrar o caminho utópico do sucesso e da felicidade reforça a insuficiência e o fracasso que é a condição do gozo fendido do sujeito social.

Lasch (1979) declara que as imagens e ecos da sociedade do espetáculo acompanham e paralisam as experiências humanas. As câmeras e os aparelhos de registro de som e imagens não apenas trasladam a experiência, mas alteram a sua qualidade e, dessa forma, o mundo moderno transforma-se em uma sala de espelhos. A vida se apresenta assim, como uma sucessão de imagens e sinais eletrônicos, impressões registradas por fotografias. As imagens eletrônicas invadem a vida moderna a tal ponto que todas as nossas ações passam a ocorrer como se estivessem sendo registradas e transmitidas para uma audiência invisível. O olho que tudo vê invade a vida cotidiana, por isso não precisamos que ninguém nos lembre de sorrir, pois já sabemos qual ângulo do sorriso e do rosto deve ser fotografado com os melhores resultados. A realidade transformou-se no que as câmeras mostram. Precisamos que as câmeras atestem nossas percepções; elas nos dizem se estamos vivos e sem elas seria difícil construir uma história pessoal.

Atualmente essa concepção mergulhou em uma proporção tão profunda que espanta a forma como os indivíduos necessitam da aprovação que ocorre por meio da imagem, ela é indiscutível. A tecnologia ajudou na proliferação do culto a essas representações, seja na produção de câmeras ou celulares com câmeras sofisticadas, seja através da internet, na composição de redes sociais que são intermediadas, prioritariamente, pela imagem: Instagram, Facebook, Twitter, todos são aplicativos, mídias sociais, pelos quais os indivíduos se enlaçam decisivamente, através, é claro, da imagem.

Tendo em vista o enfoque para a perversão, destaca-se aqui o mais conhecido e clássico perverso da história: Marquês de Sade. Pode-se indicar que sua concepção extremista acerca da afirmação do gozo é distante da lógica consumista da atualidade?

“Numa palavra: fode e apenas fode; é para isso que estás no mundo. Não há limites aos teus prazeres senão os de tuas forças ou os de tuas vontades. Não escolhe lugares, tempo ou pessoas: todas as horas, todos os lugares, todos os homens devem servir às tuas volúpias” (Sade, 1795, p. 48).

Para Lasch (1979), quando Sade imagina uma utopia sexual na qual todos têm direito a todos, onde os seres humanos são reduzidos aos seus órgãos sexuais, tornando-se anônimos, ele não estaria ensejando uma metáfora do princípio capitalista, sob o qual vivemos hoje? Princípio no qual os seres humanos são reduzidos, da mesma forma, a objetos intercambiáveis? Sade não teria incorporado ou antecipado a visão de que o prazer e o hedonismo seriam as únicas fugas (cegas) para a “destruição” do paternalismo, a subordinação de todas as relações sociais ao mercado? Uma anarquia organizada na qual o prazer se alarga e não se distingue do estupro, dos assassinatos, da agressão desenfreada. Se em uma sociedade a razão se reduziu a um medíocre cálculo, a imposição de limites à busca de prazer torna-se nula. Tem-se a imediata gratificação de todo o desejo, não importando quão perverso, insano, criminoso ou simplesmente imoral ele seja. Os padrões morais que poderiam condenar tais crimes ou crueldades (religião, compaixão, etc.) têm posição insignificante em uma sociedade baseada na produção de mercadorias.

Marquês de Sade chocou a higiênica sociedade burguesa de sua época desvelando a parte obscura existente em nós mesmos. Todas as suas observações, por mais extremistas que fossem, podem ser consideradas uma metáfora da realidade perversa produzida pelo capital à qual vivemos na atualidade. O capital somos nós, a sociedade também, não existe distinção. Hoje, o prazer e o enaltecimento do ego são exaltados acima de tudo e de todos. As relações sociais são reduzidas a uma cinzenta lógica mercadológica, como Teixeira e Couto (2010) postulam, no laço capitalista; os trabalhadores, por meio da sociedade de consumo, tornam-se um material humano tão consumível quanto os próprios produtos.

Em outro contexto, Marcuse (1964) pressupõe que, se as capacidades intelectuais e materiais da sociedade contemporânea são incomensuravelmente maiores do que nunca antes, significa que o alcance de dominação da sociedade sobre o indivíduo também é maior do que nunca antes. A força não se centraliza mais no terror, mas na tecnologia. Isso ocorre com uma eficiência esmagadora e num padrão de vida crescente.

Quem consegue viver sem o seu iPhone, Facebook ou Instagram? Na atualidade, a concepção de Marcuse é ainda mais latente; a tecnologia de forma sutil e confortável revela-se um eficaz instrumento de controle e coesão que impede o sujeito de refletir sobre as contradições sociais. A produção de novas tecnologias incorporadas à cultura não leva, necessariamente, à coesão do controle social, o que se enfatiza aqui é o contexto na qual ela é inserida, a forma como é utilizada na configuração da subjetividade do sujeito na atualidade.

Marcuse (1964) afirma que o que era proibido tornou-se imediato ao devir cotidiano do sujeito. O que poderia facilitar o processo de sublimação e conformação do mesmo com a realidade vigente foi substituído pelas vicissitudes da ditadura do gozo e pelo prazer instantâneo. A “dessublimação repressiva” é uma característica da sociedade narcísica, sendo que, por trás do gozo aparentemente onipotente, esconde-se a angústia dilacerante de saber não ser o que se pode ter por um momento.

Ao analisar a sociedade narcísica encontram-se diferentes dinâmicas psíquicas estruturais. É possível verificar a relação neurótica que o sujeito possui com o consumo, com a droga, ou mesmo as condições histéricas que o palco e o espetáculo reforçam. Mas o que se enfatiza aqui é como a sociedade narcísica proporciona a recusa da frustração e do desamparo inerentes ao sujeito, o que consiste uma postura que pode-se caracterizar como verdadeira via de escoamento do gozo perverso. Na sociedade em que não há espaço para o desamparo e limites impostos pela cultura, a recusa da castração toma força e forma legiões. Assim, observa-se o aumento significativo das toxicomanias, das formas autoritárias e violentas de poder, da violência sem objeto, o esvaziamento da alteridade e o enfraquecimento do laço social. Tais comportamentos podem ser considerados como legítimas demonstrações da força da perversão na atualidade, ou seja, da organização psíquica do sujeito a partir de uma falta não simbolizável.

Perversão e sociedade narcísica

Kovel (1976 apud Lasch, 1979) enuncia que a estimulação de desejos infantis na indústria cultural, o declínio da autoridade parental, a racionalização da vida interior e as falsas promessas de satisfação pessoal criaram um novo indivíduo social. Para além das clássicas neuroses recalcadas, o resultado é a impossibilidade terapêutica de resgatar o impulso para a consciência. Postula-se a criação de impulsos estimulados, pervertidos para os quais não há objeto de satisfação adequado, muito menos formas de controle direto. Perde-se a configuração de sintoma e pensa-se em um complexo inteiro que elicia a alienação.

Trata-se de uma alienação de si mesmo, uma alienação das condições que constituem todo e qualquer sujeito no laço social. O declínio da autoridade e a sedução da indústria cultural promovem, ao invés de uma liberdade excitante, uma alienação definitiva. Postula-se, possivelmente, uma nova configuração psíquica.

Birman (2007) articula que essa nova modalidade de sujeito fora-de-si, essa alienação não faz alusão aos modelos clássicos da estrutura psicótica. Diferente da alienação do século passado, a alienação aqui remetida ganha significado e valor social. O sujeito voltado para si é fora-de-si, pois, ao passo que ele enaltece o próprio ego, ele é exterioridade por excelência. Quando ele não apresenta esse tipo de organização psíquica, ele é recusado pela sociedade, como ocorre com os deprimidos e panicados. Assim como o autocentramento é valorizado pela cultura do narcisismo, a drogadição é estimulada socialmente, tanto pelas vias médicas como pelo narcotráfico.

Birman (2007) indica ainda que, ao contrário do que ocorria com o sujeito fora-de-si psicótico, excluído da sociedade e da cultura, o fora-de-si a partir do autocentramento do eu, que surge nessa nova ordem social, é integrado e investido pela cultura. Uma inversão se estabeleceu. Essa nova modalidade refere-se a uma forma perversa de existência. A perversão ocupa o lugar da psicose, mas, ao invés de ser excluída e colocada à margem social, ela é legitimada e valorizada socialmente. Isto posto, as formas perversas encontradas pelo sujeito para gozar realizam o projeto legítimo da constituição de uma nova subjetividade.

Marcuse (1964) denomina de “dessublimação repressiva” o fenômeno em que o princípio do prazer submerge o princípio da realidade. A dessublimação repressiva seduz o indivíduo, ela é o subproduto dos controles sociais da realidade tecnológica, ao passo que amplia a “liberdade”, intensifica a dominação.

Através das redes sociais propiciadas pela internet, as pessoas atualmente têm liberdade para expressar o que querem, postar as imagens e fotos que desejam, compartilhar o que lhes parece útil. No entanto, apesar de a liberdade aparentar ser maior, há um aumento imperceptível da dominação e do controle, ou seja, uma redução da referida liberdade. Através de um celular, uma pessoa pode ser encontrada onde quer que esteja. As tecnologias, além de incentivar a dessublimação repressiva, impedem o sujeito de experimentar a solidão.

Marcuse (1964) assevera que a realidade tecnológica limita o alcance e a necessidade de sublimação. A tensão entre o que é desejado e o que é permitido é praticamente nula, o princípio da realidade não parece mais exigir uma transformação dolorosa das necessidades instintivas. O sujeito deve adaptar-se em um mundo que não nega as suas necessidades mais íntimas.

Uma sociedade que te dá tudo o que queres é uma sociedade que também te abandona. A realidade inevitável e contraditória é que por mais que o sujeito compre tudo o que quer, a falta e a incompletude são condições estruturais de sua organização psíquica. Tal assertiva desvela que alienar-se de si mesmo não vai impedir que o desamparo invada o sujeito de forma decisiva.

Marcuse (1964) atesta que para sublimar é necessário ter autonomia e compreensão, trata-se da renúncia e da rebelião, do misto entre intelecto e instinto. O sujeito da sociedade narcísica sente-se feliz e realizado, pois tem acesso às liberdades satisfatórias que se traduz em falsas liberdades. Com essa medíocre satisfação, o indivíduo aceita todos os malefícios dessa sociedade. Essa aceitação torna inviável a autonomia e a compreensão necessárias para a sublimação. Marcuse (1964, p. 85) finaliza: “[…] Em suas mais realizadas formas, tais como na obra artística, a sublimação se torna a força cognitiva que derrota a supressão enquanto se inclina diante dela”. Revela-se assim, a verdadeira função conformista da institucionalização da dessublimação desenfreada.

A sublimação pode ser dolorosa, mas é necessária ao indivíduo para suportar o insuportável. Entretanto, não deve ser confundida com submissão. Trata-se da forma saudável encontrada pelo sujeito para dar conta do real, deixar a onipotência infantil para trás, crescer e aceitar a realidade cambiante que o envolve. É necessária uma gestão do desamparo, que pode ser realizada através da autonomia e da compreensão (Birman, 2007).

O fato de a realidade e o ideal andarem de mãos dadas na ideologia da sociedade narcísica representa para o sujeito um acesso “livre” à onipotência desmedida. Nesse lugar, o sujeito acredita não se sujeitar à cultura, passa a vivenciar os prazeres desmedidos possibilitados por esta, gozando plenamente a cada nova regra rompida, a cada novo obstáculo ironizado. A perversão como alienação do outro é também uma alienação de si, empurra o sujeito para o desamparo e o enclausura em seu próprio gozo, enquanto ele recusa-se a aceitar que a realidade do seu gozo não é plena.

 

Considerações finais

No final desse artigo podemos observar que a sociedade narcísica pode legitimar o comportamento perverso. De acordo com o que é pressuposto na concepção lacaniana, a transgressão da Lei é o mecanismo que define a atuação do perverso. A contradição é que na tentativa de postergá-la e violá-la o perverso reafirma sua existência. Na recusa da possibilidade de simbolização da falta, o perverso recusa também o desejo. Alienado do desejo, ele se fixa em uma inesgotável contestação psíquica. O perverso não é livre, ele está preso; o desafio e a transgressão são os únicos caminhos que ele pode trilhar em direção ao registro do desejo. A única forma que ele encontra para ter contato com a Lei é renegando-a.

A atualização da perversão na violência transcende a abolição de um objeto, refere-se à abolição do insuportável, do que é impossível de ser abarcado, dominado: a falta que organiza o sujeito a partir da castração. Na mesma concepção, a desconsideração total do Outro, o olhar fixo e congelado para si revela a forma que o perverso encontra para gozar a qualquer custo.

A perversão atualiza-se no fenômeno da toxicomania. Mas como falar em comportamentos que transgridem a Lei quando a perversão, na verdade, reafirma a nossa realidade como ela é? Definitivamente, para além do declínio da alteridade, da violência e da toxicomania, o laço social que permeia a sociedade narcísica tem como nó o espectro perverso.

Então como transgredir a Lei para iludir-se de um gozo se a própria Lei passa paulatinamente a ser contaminada pela ditadura do gozo? Todos sabem que alguma coisa está errada, não está em harmonia, mas a ilusão de felicidade joga o sujeito no abismo infindável do gozo. Gozar, gozar e gozar, eis a Lei. O deus protético tem para si todos os objetos e manuais de gozo possíveis, mas ainda é infeliz, ainda não conseguiu o que realmente quer. E o segredo é esse: ele nunca vai conseguir.

Se outrora a ilusão de que na transgressão de uma barreira o indivíduo alcançaria a plenitude permitia que o sujeito conseguisse realizar uma gestão do desamparo, hoje o sujeito é empurrado para gozar da forma como deseja no lugar onde quer. Não existe espaço para a falta, a dessublimação é repressiva e o sujeito é jogado para o limite cru, o limite real que define os indivíduos desde o momento em que as relações humanas foram organizadas pela linguagem. É daí que emerge o desamparo tão evidente na atualidade. A angústia surge quando o indivíduo chega perto demais desse limite.

O sujeito da sociedade narcísica não é o Deus, mas um deus. A valorização da própria imagem é a única via de expressão para um indivíduo que experienciou a impotência de forma tão brutal que tornou extremamente difícil a aplicação da solidariedade social. O que esperar de um sujeito que se ilude com novas versões do mesmo embuste? Quando percorre uma nova trilha de um sonho de sucesso, ele abraça o fracasso.

Marquês de Sade, o mais conhecido perverso da história, foi muito feliz nas suas observações sobre a redução dos indivíduos a vãos objetos de prazer. Ele previu o que a união entre a ideologia capitalista, a cultura consumista, a sociedade narcísica e do espetáculo produziriam.

Os seres humanos foram reduzidos a mercadorias. Eles não são o que querem, mas decoraram o manual de instruções sobre a forma como gozam. E se alguém ousa não gozar, torna-se um antiquado, um tirano. Percebe-se que os comportamentos perversos compreendem a saída mais lógica desse fio condutor para a qual leva o construto social.

Nesse sentido, enseja-se aqui, como uma possível saída para esse fio condutor que leva a uma organização social e psíquica perversa, o que Kehl entende como “função fraterna”. Essa função não seria o caminho óbvio e mais coerente à problemática exposta, mas uma possibilidade de fomentar um resgate da alteridade que pode ser incentivado no laço social. Goldsmid e Feres-Carneiro (2011) preconizam que o relacionamento fraterno advém de uma complexa teia de sentimentos e emoções ligados ao caráter cognitivo, cultural e social. A sociedade organiza-se a partir de modelos estruturais como, por exemplo, os modelos familiares. A relação entre irmãos é amplamente considerada e idealizada. A ideia da fratria, por mais marginalizada que seja pelos psicanalistas, é fundamental na compreensão do sujeito em seu enlaçamento social. Trata-se de uma função estruturante para a família, pois remete à colaboração, ajuda recíproca, igualdade e alteridade entre irmãos; é o que permite a descarga moderada de agressividade.

Kehl (2002) indica que o desamparo é inerente à condição de sujeito; junto disso o homem moderno precisa suportar também a falta de referências estáveis para a linguagem. Na Lei, assim como na linguagem, não é possível encontrar um ponto de origem, ambas são fundamentos que se perderam no tempo e é a isso que se deve o seu poder, pois transcendem questões mundanas. Na atualidade, como fora discutido ao longo desse trabalho, não há espaço para a tentativa de restauração do Nome-do-Pai, é daí que advém o exorbitante desamparo para o qual o sujeito é empurrado. As tradições são a garantia da transmissão da Lei na interface entre o imaginário e o simbólico; elas oferecem, acima de tudo, consistência e estabilidade ao ser, proporcionando sentido e direção à sua vida.

É necessário e saudável que o indivíduo consiga ter uma relação aceitável para com a Lei. Trata-se daquilo que, como visto anteriormente, Birman denomina em seu livro “Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação” como gestão do desamparo, uma gestão feita a partir do momento em que os limites, as frustrações e os conflitos são “equilibrados”. Não se trata de um equilíbrio total, mas do equilíbrio que o indivíduo pode alcançar no enlaçar do desenvolvimento social e na aceitação da sua condição como sujeito ao social. Dessa forma, torna-se inevitável enfatizar o processo de sublimação.

Kehl (2002) pressupõe uma dimensão ética na sublimação quando ela consiste em permitir ao sujeito suportar o vazio e fazer algo a partir dele que não se reduza a uma submissão violenta do outro ao próprio gozo ou recusa ao vazio interpolado pelo outro.

Como foi visto por Marcuse, em “A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional”, a organização social na qual a atualidade se encontra joga o sujeito para o que se denomina dessublimação repressiva. O sujeito é obrigado a evitar a frustração, é obrigado a considerar o gozo mortífero como passaporte para o sucesso que poucos alcançam. Buscando esse gozo, o sujeito aproxima-se da angústia, do limite real, pois o gozo pleno não existe; trata-se de uma ilusão mortífera que expõe o indivíduo a um cru desamparo.

Dessa forma, para além da importância da sublimação, destaca-se a relevância do resgate da função fraterna para uma sociedade que está perdida quando se fala em limites e alteridade. Kehl (2002) indica que a alteridade, a aceitação do outro em sua semelhança na diferença, seria a resposta para uma construção ética nos tempos atuais.

Não se trata aqui de uma aceitação incondicional como a que é proposta pelo moralismo judaico-cristão, mas uma aceitação que pode ocorrer na medida do possível. Goldsmid e Feres-Carneiro (2011) postulam que as relações “suficientemente boas” na vida adulta são facilitadas a partir do desenvolvimento da função fraterna que compreende a tolerância em aceitar as frustrações e os conflitos que podem emergir ao longo da vida, intervindo de forma ativa na transmissão da lei e do saber. No contexto social, as influências dessa função fraterna podem se apresentar nas relações ambivalentes de crueldade e solidariedade entre os diversos povos, relações essas que resistem ao tempo e à história.

Quando se propõe a importância do resgate à função fraterna em uma organização social perversa, não se trata de um apelo, mas de uma possível saída para o sofrimento psíquico e social ao qual os indivíduos da atualidade estão sujeitos. Por mais que o indivíduo tenha conhecimento do social e de si, ele não tem como fugir da realidade que o envolve de forma definitiva, como foi visto pela proposta de Adorno ao crítico cultural em “Crítica cultural e sociedade”. O resgate da função fraterna não é a solução para toda a problemática exaustivamente exposta, mas uma das várias possibilidades existentes em tentar desvelar a concepção ideológica na qual o indivíduo está mergulhado e envolvido social e psiquicamente.


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Resumos

The perverse spectrum in narcissistic society

With this work, we seek to identify how narcissistic society can legitimize perverse behavior. For this, the forms of perversion in narcissistic society; narcissistic society for psychoanalysis are analyzed and joins perversion and narcissistic society are associated. From the Lacanian theoretical concept, perversion is considered as a refusal (Verneinung) of castration and refusal of the Law. In this sense, it was observed that perversion, as a form of psychic organization marked by transgression, can be accepted and legitimized by narcissistic society due to the vicissitudes of subjectivity nowadays. It is evident ever more in this society drug addiction, the decline of otherness, violence without object and the authoritarian and violent forms of power as possible updates of perversion, ie, the refusal of helplessness and frustration inherent in the subject. In addition to the mentioned phenomena, the perverse spectrum penetrates the body of narcissistic society reaching the daily becoming of the ones who are subject to it.

Keywords:
psychoanalysis, perversion; transgression; narcissistic society.


The evil specter in narcissistic society

Avec ce travail, nous cherchons à identifier comment la société narcissique peut légitimer des comportements pervers . Pour cela, nous analysons les formes de perversion dans la société narcissique, la société narcissique pour la psychanalyse, et nous associons  la perversion et la société narcissique . Dans le concept théorique lacanien, la perversion est considérée comme un refus (Verleugnung) de la castration et de la loi. En ce sens, il a été observé que la perversion, em tant que forme d’organisation psychique marquée par la transgression, peut être acceptée et légitimée par société narcissique en raison des vicissitudes de la subjectivité aujourd’hui. Il de plus en plus évident dans cette société, la montée de la toxicomanie , le déclin de l’altérité, la violence sans objet et les formes autoritaires et violentes de pouvoir comme des possibles mises à jour de la perversion, c’est à dire le refus d’impuissance et de la frustration inhérente au sujet. Au delà des phénomènes cités, le spectre pervers pénètre le corps de la société narcissique pour atteindre le futur de ceux qui y sont soumis.

Mots-clés:psychanalyse, perversion, transgression, société narcissique.

 

Citacão/Citation: MAGALHÃES, A.W.L.; SUSSUARANA, A.C. O espectro perverso na sociedade narcísica, in Revista aSEPHallus, Rio de Janeiro, vol. VIII, n. 16, mai. a out. 2013. Disponível em www.isepol.com/asephallus. doi: 10.17852/1809-709x.2019v8n16p68-87.

Editor do artigo:
Tania Coelho dos Santos.

Recebido/Received:
15/01/2012 / 01/15/2014.

Aceito/Accepted:
28/01/2013 / 01/28/2014.

Copyright:
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